Puta. Não tem outro nome para Lucy. De profissão ela era puta mesmo. Trabalhava num puteiro, vivia num puteiro. Mas não era puta só por isso. Se só por isso fosse, podia outros nomes mais respeitosos, como meretriz ou prostituta. Era puta e pronto, que essa palavra, a seco, carrega um xingamento, que quem conhecia Lucy queria logo desabafar. Tinha um jeito baixo e arrogante de provocar todo mundo esfregando o sexo sem censuras, descobrindo os seios e atirando palavras cruas encharcadas de lama. Uma beleza disputada a tapa pelos frequentadores dava a ela o poder de não bastar aos olhos: quem via Lucy queria degustar. Dizem que sabia fazer o diabo com um homem na cama. Enlouquecia qualquer um que passasse pelos seus cuidados. Não tinha um que não quisesse mais.

Lucy tinha vontades, não aceitava dó de ninguém, repelia com sadismo as senhoras cristãs que lhe ofereciam um pouco de bondade. Eu pratico o gozo e não o sofrimento, humilhava. Vivia dizendo que daquele puteiro, e talvez de todos os outros puteiros do mundo, ela era a única puta que podia ser chamada de mulher de vida fácil. Quer vida mais fácil do que a minha, uma puta que gosta de dar?

Para toda a cidade isso era uma provocação sem tamanho, qualquer pessoa de bem tolera as putas, com a condição de sentir pena delas. Lucy, dona demais de si mesma, privava as mulheres de família do exercício da compaixão. Provocava com isso desejos profundos de inferno. As senhoras mais respeitadas se uniam para exigir de Deus que tornasse difícil a vida fácil dela. Se achavam com poderes de julgar e condenar a indecente.

Muitas dessas senhoras tinham em casa maridos que assistiam mudos à ira contra Lucy. Mais a raiva delas aumentava, mais a fama de Lucy crescia. Os homens adoeciam de uma curiosidade científica por ela, vulgarmente conhecida como tara. Se enfileiravam dispostos a qualquer migalha. E como a fome faz mais pela cozinheira do que os temperos, a puta mais vulgar do mundo gozava fama de preciosidade, faturando alto todo dia.

Tudo é rio, Carla Madeira

Tudo é rio, Carla Madeira